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Paleolírico (Selo Sesc 2022)

 

Disco de Vicente Barreto com direção artística, desenhos e texto de Manu Maltez, que também assina 4 faixas do disco em parceria com o compositor

Paleolírico por Manu Maltez

Texto de apresentação publicado no encarte do disco

 

“O passado ás vezes sai do lugar”

Vicente Barreto, vestido de Cambaco

 

Por um acidente do discurso

Trocamos assim como quem brinca, a letra T pela L

O que resultou em duas estilingadas da língua no palato

Ou seja, uma narrativa de lagarto

Pra quem dá ouvido a pedra

 

Agora Assopra o bafo do tempo

Que vem da gruta-coração

Toda palavra estala nervo

Se meu maxilar não cair

                                       logo agora

                                               E virar pré história

É hoje que eu digo

O que só se diz cantando:

 

Pa-le-o-lí-ri-co

 

παλαιός, palaiós = antigo

λυρικός, Lyrĭcus = lírico

 

 

Paleolírico, como não diz a wikipédia

É o período Vicentino, que compreende o tempo imensurável

do Não Foi Mas Vai Que

da infãncia da humanidade

o tempo do causo

do menino que escuta o pé de bode pela primeira vez

de dentro da barriga da mãe embalançante

é o tempo da Rebatida ó meu pai, (como ricocheteia seu bordão ainda agorinha)

é o tempo de quando éramos deuses

porque nômades

quando subíamos no ombro da preguiça-gigante-de-cabelos-vermelhos-esvoaçantes

pra alcançar a mais alta goiaba-brava-com-bicho-porque-assim-fica-mais-gostoso

Como diria a primeira das Avós do mundo:

Meu filho,

             o que não mata engorda

 

Paleolírico:

 

vida espelho da morte

buraco negro

teletransporte

trem da febre

linha São Paulo – Salgadalha

onde ir é voltar

     e o seu contrariar

           última chamada

                     vamos embarcar!

 

Paleolírico

 

É o tempo-ventre

tempo-latente

tempo-serpente

se engolindo

é tempo em si

em corpo

envolto

em vulto

inlflado de vácuo

tempo sem semãntica, tempo quântico

enfim o impensável:

tempo nu

 

Paleolírico

 

é uma fita cassete adormecida dentro do gravador empoeirado, reencontrado em certa faxina, guardando esquecida canção instrumental sabe-se lá quando gravada, por anos esperando o nascimento da palavra que ainda não havia sido

Inventada:

 

Paleolírico

 

desligue agora o aspirador de pó,

e escuta só

o inconsciente de um compositor a renascer

 

Paleolírico

 

É o novo disco de Vicente Barretôiôiôiô

Como disse um amigo barranqueiro em certa tarde

nas margens do médio São Francisco

“O desconhecido mais famoso do Brasil”

Esse aí descansou de ser celebridade

Viveu se esquivando da própria Tropicana sombra - Olé!

Bota fé é numa inesperada esbarrada no violão - ôlaiá!

Num dia de sorte, Daqueles em que a turma do encosto chega pra sambar no sofá

(Você olhando não enxerga, mas tá todo mundo lá)

é aí que a coisa acontece

Segura os tubos de ensaio dona Wânia, que Hoje vem composição nova!

 

Entre a peste e a Guerra

Tem gente que ainda teima

E desenterra

Boas notícias da nossa espécie pré-extinta

Um balbucio de Vicente fala de coisas luzassombrosas

Carrunca mirunca fejunco trambuia furunfé furunfá

iê iá uôi!

Já garrou no juízo a melodia, num foi?

Pois é

Tudo aqui são vestígios

rastros

Ainda frescos

Do paraíso perdido

 

Paleolírico

 

Compreende também um Segundo período

Apontado por alguns especialistas como o “paleolírico tardio”

É aí que surgem os letristas

Desconfia-se que os versadores das melodias Vicentinas

Por ele invocados

São bonecas de ventríloco

Troncos de kuarup

Que quando matam a charada, decodificam o barretinês,

criam carne

E saem boquiabertos por aí

Pois Traduziram no abecedário algo que não sabiam

Não eram capazes, por  eles próprios, coitados

De dizer o que disseram

No fundo intuem que são apenas instrumentos

De um pai de santo Phd em paleontologia

De um mestre da psicografia

 

Então tá explicado

Paleolírico é o que fizemos

do nosso sonho partilhado

Outro nome pra isso é música

Que não é outra coisa senão tempo

Liberto, desembestado

Sem futuro presente passado

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